Mais um dia ela se contorcia na cama – rolava, esticava-se,
e depois... Relaxava. O sol matinal insistia em fazer-lhe abrir os olhos. Eram
ainda seis da manhã, mas a rotina começava cedo, teria de se levantar. Levantara-se
da cama como se fosse puxada por uma força sobrenatural e caminhara até o
banheiro. Olhava-se agora no espelho. Aquele rosto magro, olhos inchados ainda
do sono, cabelos bagunçados... Ao passo que escovava os dentes ia ficando mais
desperta.
Sua casa não era bonita, mas tinha o essencial: cama,
guarda-roupa, fogão. Não tinha muitos cômodos, na verdade só possuía dois: o
banheiro e o quarto, mas a considerar a falta de porta do banheiro poder-se-ia
tratar de um vão só. Aliás, não era bem uma casa: morava aos fundos de um
comércio, caridosamente cedido por seu dono, o qual cobrava tão somente um preço
simbólico pelo aluguel. Por motivos contratuais seu Dedé, como era conhecido
pela vizinhança, mantinha uma cópia da chave a qual separava seu comércio do
quarto da jovem moça.
Vitória, a personagem deste drama, era uma moça do interior
que veio tentar a sorte na capital. Cheia de esperanças buscava concretizar
seus sonhos. Queria abraçar o mundo, queria conhecer pessoas novas, de todas as coisas a
maior é que queria ser feliz, embora não soubesse bem como. A vida no interior
não era muito fácil... Lá as garotas são prendadas logo cedo, são preparadas
para a vida adulta, onde o sucesso é conquistado por um casamento e a sorte,
por encontrar um bom marido, o qual pelo menos ponha a comida sobre a mesa.
Vitória sabia de seu futuro ali. Seria como sua mãe: desdentada, as rugas
precoces na face a se acentuarem ainda mais com os raios do sol...
Vitória via aquilo tudo, mas não queria aceitar. Pensava ela
que deveria haver um jeito de mudar esta realidade e contornar esta situação.
Sempre ouvia sua mãe dizer que viviam assim porque não tinham educação, não se
tornaram doutores e tinham de se contentar com o que tinham, pois Deus era bom
e haveria de dar saúde para enfrentar as lutas do dia-a-dia e tendo saúde é o
que realmente importa... Mas, nada disso entrava na cabeça dela. Não teve
muitos estudos e o que conhecia havia tomado conhecimento pela televisão.
Deveria ser muito lindo viver como aquelas pessoas da novela das 8... Sonhava
em uma vida nem que fosse como a da empregada doméstica da novela, afinal até o
pouco que ali era estampado parecia muito para Vitória que, em realidade, tinha
muito, muito menos ali.
Foi pensando nisso que, em um belo dia de céu ensolarado, Vitória
decidiu sair de casa. Os brados de seu pai e de sua mãe excomungavam a jovem a
jamais pisar ali de novo. E foi assim que a inocente garota veio parar na
capital, cheia de sonhos, paixões, mas também de medos e inseguranças, afinal
tudo despontava como novo e inusitado. Passou alguns meses pela casa de uma tia
evangélica que, também pela caridade, a acolhera em seus aposentos. E ali
passara maus bocados: além dos abusos e constantes reclamações que tinha de
escutar todos os dias e de todo o esforço que fazia para pagar sua estadia,
levantando-se de madrugada para deixar a casa nos trinques, nada recebia em
troca se não o prato de comida e ainda era obrigada a frequentar os cultos na
congregação do bairro. Não aguentara por muito mais tempo aquela situação e começou
a procurar, silenciosamente, emprego pelos comércios da cidade e conheceu o
senhor Dedé. A quem muito se empessoou pela jovem e prontamente lhe oferecera
um emprego em seu comércio e até um cantinho para morar, caso desejasse. O que
ela aceitou urgentemente.
Passado quase um ano Vitória se questionava sobre seu
sucesso ou seu fracasso... O pouco salário que recebia mal dava para comer e
vestir-se, afinal as coisas ali custavam muitas vezes mais caro que qualquer
coisa comprada no interior onde morava. Precisava ganhar mais. E percebendo
isto seu Dedé lhe fizera uma indecente proposta: pagaria todo o seu salário de
duzentos e cinquenta reais, sem qualquer trabalho diário, mas com a condição de
deixar-lhe tirar certas liberdades com a jovem moça...
Vitória era ainda virgem e pouco pensava sobre estas coisas
no presente momento. Mas como reflexo de uma realidade dura e uma oferta muito
atraente para o momento, aceitou a proposta. A primeira vez foi muito
preocupante, tremia tanto que parecia estar a morrer de frio e suava tanto que
parecia estar no mais infernal calor. Vitória sobrevivera aos toques ardilosos
de seu Dedé e fisicamente estava ilesa, mas emocionalmente estava destroçada.
Apesar de tudo Vitória não desistia, tinha fé em conseguir
algo na vida. Sonhava em ter um emprego que bancasse seus sonhos, afinal ainda
queria conhecer o mundo – novos lugares, novas pessoas... E foi isso que
motivou a jovem a continuar. Pensou de que maneira poderia subir na vida,
ganhar dinheiro. Não sabia como... Esteve a pensar inutilmente sobre isso, mas
sem sucesso. A grande diversão de Vitória era frequentar à noite a Lan House da
esquina. Não pagava tão caro por duas horas de diversão. E virtualmente
conseguia afastar-se da dura realidade e também conhecer muitas novas pessoas
de diversos lugares, também aprendia muitas coisas novas.
Ia praticamente todos os dias. Batia ponto quase todas as
noites. Numa terça-feira qualquer um belo rapaz a adicionou em sua rede de
amigos do Facebook. Chamava-se João, tinha 27 anos, sete anos mais velho que
ela, era formado em engenharia e trabalhava na Petrobras. Vitória encantou-se
com João e aceitou seu pedido de amizade. Papo vai e papo vem, em pouco tempo
de conversa a convida para sair. Apesar de muito precoce não poderia deixar
esta chance passar batido e acabou aceitando.
João a pegara em seu carro e juntos foram para a orla de uma
praia deserta. Os gestos e olhares de João diziam tudo sobre suas reais
intenções. Vitória percebera aquilo, mas em razão das circunstâncias e num
misto de medo e desejo, entregou-se às investidas dele. Não demoraram muito, o
rapaz era tão rápido no gatilho que em pouco menos de cinco minutos já havia
finalizado. Tão rápido que Vitória não teve tempo sequer de perceber direito o
que acontecera ali. E foram embora.
Já descendo do carro João pede que espera alguns segundos e
colocando a mão em sua carteira oferece-lhe trezentos reais. “Foi uma ótima
transa” – falou. Relutantemente Vitória aceitou. Estava surpresa: em menos de
30 minutos ganhara mais do que esperava todos os meses para receber de seu
Dedé. Foi a partir daí que encontrou uma possível solução para seus problemas.
Podia vender-se para comprar seus sonhos. E foi isso que fez.
Não sabemos se a história de Vitória ainda choca pessoas.
Provavelmente sim. O fato é que esta é uma realidade de muitas garotas, e
também garotos, invisíveis no clarão do sol, e também pela escuridão da noite.
Não sabemos se Vitória alcançou os sonhos, torcemos para que sim. Se ela está
ou será feliz também não sabemos, mas como ela todos temos esperança de um
futuro melhor.