Todos os dias escuto minha mãe falar uma peculiar frase, que de tanto
escutá-la já até virou um jargão: “só perde tempo”. E outra que a sucede: “não
faz nada da vida”. Ela está preocupada com o futuro de seu filho que ainda
jovem tem de se preparar para os ‘desafios’ da vida.
Ouço estas frase normalmente quando não estou estudando, trabalhando ou
nos afazeres domésticos, também acontece quando utilizo a internet (mais
especificamente o facebook) ou não estou a fazer nada (sentado, deitado ou
dormindo, em qualquer hora que não seja à noite). Mais atualmente não tenho
sido vítima fatal dessas “críticas”, até porque apresento um histórico de boas
notas na faculdade e quase todo o tempo que me resta, ou uma grande parte dele,
levo trabalhando, o que talvez minha mãe chame de “fazendo alguma coisa da vida”,
Iniciei esta discussão a partir dos monólogos da minha mãe, mas ciente de
que estes discursos atravessam certamente muitos outros contextos na sociedade
contemporânea. Discursos que vêm embebidos de muitos outros valores, ideias,
conceitos e preconceitos. Ora, o que se quer dizer com “fazer alguma coisa da
vida”? E que ideal é esse de vida? Acreditando que a lei a qual responde a
essas perguntas é abrangente, a farei com base nas respostas da cobaia desse
texto: a minha mãe.
Para minha mãe, “viver uma vida” ou “fazer alguma coisa dela” é produzir.
Produzir o quê? Conhecimento, dinheiro e recursos. Segundo ela é para isso que
vivemos: para estudar, ganhar dinheiro e depois comprar casas, carros, sapatos,
boas roupas e boa comida, a lógica aqui é a do consumo. Óbvio que não é tão
algébrico assim, como um mais um dá igual a dois. Mas em parte (em grande
parte), não é verdade?
Ontem mesmo assisti a um interessante filme que ilustra bem essa ocasião:
“O preço do amanhã”. Neste filme a máxima “tempo é dinheiro” era factualmente
verdade: a moeda circulante eram horas, minutos e segundos. Mas o que me chama
a atenção, porém, é a crítica que é feita ao sistema que embasa o funcionamento
dessa sociedade, onde a maioria paga com o preço da própria vida, dessa maneira
sendo determinados a viver menos de três décadas, para que uma minoria possa
viver milhões de anos. O amanhã de cada um parece estar contado de um modo bem
distorcido e embora o sol da vida esteja sobre cada um de nós, a sombra de
vivê-la está para poucos.
E ainda que o comércio de “vitalidade” seja uma boa ficção, a ironia do
filme com a nossa realidade continua válida: para manter a ordem desse sistema
é preciso haver pessoas que mantenham essa ideia em suas mentes, de que é
preciso “fazer alguma coisa de suas vidas” e que “não percam tempo”,
obrigando-as a refletir pouco sobre sua realidade e levando-as a lutar por um
tempo de vida que, em verdade, nunca foi seu.
Se não formos capazes de usar o nosso próprio tempo, como será possível
viver? Se viver é apenas isso nesse mundo – viver pra fazer – eu desisto dessa
vida, que o relógio de meu pulso também se esvaia! Mas se ainda restar
esperança, é melhor que eu não perca a hora... De viver.