A
escritora, formada em psicologia, tem um estilo muito singular de escrever, o
qual não apenas o prende à leitura, em função de sua inquestionável qualidade,
mas também, de certa forma, leva-nos a adotar seu ponto de vista, uma vez que
recorre, por vezes, a argumentos indutivos – os quais serão referenciados
posteriormente , mas que não os tornam menos importantes por isso.
À
primeira mão este dado pode parecer não muito importante, mas torna-se crucial,
à medida que nos damos conta que é através do próprio olhar prismático da
escritora que aparecerá a figura de B. F. Skinner e que, portanto, será a
partir deste mesmo olhar que se farão todas as medidas de apreciação à figura
de Skinner.
O
capítulo inicia fazendo um rápido levantamento da produção científica de
Skinner e apresentando sua mais conhecida ideia: a noção de condicionamento
operante, a grosso modo, uma espécie de treinamento o qual geraria um tipo
determinado de comportamento. Também aponta para a existência de um “ranço”
muito forte com relação a esta teoria comportamentalista, ranço este
provavelmente relacionado ao medo que se tinha de que as ideias de uma
“engenharia social”, através da prática de reforço e punição, fossem utilizadas
por regimes autoritários da época, como o fascismo.
Certamente
o temor de que isso factualmente acontecesse levou muita gente (inclusive
cientistas) a ignorar e criticar a teoria de Skinner, conforme aponta
sabiamente Lauren, criando, inclusive, mitos destrutivos sobre a figura de
Skinner e de seus experimentos, da mesma maneira como acontece com qualquer um
que, de alguma forma, desagrade os preceitos políticos e morais de sua
sociedade. A autora exemplifica este fato trazendo às claras a figura de
Deborah Skinner – filha de B. F. Skinner, que foi midiaticamente mostrada como
uma vítima hedionda dos experimentos imorais de seu pai e, supostamente até se
suicidado, mas que, na verdade, provavelmente sofreu senão por tais opiniões
desmedidas.
Ficam
muito claros, após a leitura, os objetivos da ciência skinneriana: buscar
estabelecer uma ciência demonstrável, que cuidasse de dar relevo à face
fisiológica dos mecanismos de
comportamento para, a partir daí, pensar numa aplicação social benéfica
e que transpusesse as fronteiras de nossos corpos e de nossas limitações.
Obviamente que a referência a estes objetivos é dada a partir das deduções de
Lauren, em cima de tudo o observado acerca das publicações de Skinner, e não do
próprio, eis porque tais conclusões merecem, não um descrédito, mas um
decréscimo do que foi revelado.
Não
se pode dizer, no entanto, que a tal “ciência demonstrável” esteja em
conformidade com a aquela mesma ciência comportamental proposta por Watson. As
próprias concepções filosóficas que guiam as produções de ambos são diversas:
Watson nutre sua ciência psicológica comportamental a partir da concepção
realista, isto é, de separação entre o mundo interior – inacessível –, e
exterior – mensurável –, portanto seu campo de investigação está pautado na
busca por determinar os estímulos e suas respectivas respostas; já Skinner
segue outro caminho: a linha do pragmatismo, a qual não enxerga economia
conceitual em separar o mundo daquele o qual nele vive, não fazendo, pois,
distinção entre o que está “dentro” e “fora” de nós.
Skinner,
ao adotar o pragmatismo, vislumbra alcançar argumentos não apenas
satisfatórios, mas também utilitários - ou seja, que tenham um efeito
aplicável, prático. Ciência comportamental pragmática, portanto, se configura
como “descrições econômicas e abrangentes da experiência natural humana”
(Baum,W., pg. 43). E o behaviorismo radical se centraria fundamentalmente nesta
prática conceitual econômica e na preocupação com os termos utilizados.
Obviamente
existem muitas objeções ao pensamento científico de Skinner, mas o próprio
também, a tantas outras concepções científicas as quais priorizavam o campo
subjetivo no estudo do comportamento humano. O presente cientista, tão rigoroso
nos seus métodos, criticava bastante os métodos de introspecção, taxando-os
enfaticamente de 'mentalistas' e, portanto, sem embasamento científico. Lauren
evoca inteligentemente uma possível ligação desta postura adotada por Skinner
com a experiência de seu tempo, conturbado pela Primeira Grande Guerra. “Nossa
era não está sofrendo de ansiedade, mas das guerras, crimes e outras coisas
perigosas”, afirma o próprio Skinner. Levando isso em conta, há de se entender
porque o tal procurava firmar uma concepção científica tão pragmática e
distante dos questionamentos existenciais.
O
que se pretendia era alcançar resultados, soluções. Mas onde encaixar o
sentimento, as paixões, a moral, o desejo e a liberdade (só pra citar
alguns)? Não dá para extrapolar tanto o
que foi cientificamente colocado, numa tentativa frenética de extrair ideias
outras que não foram contempladas por uma teoria, como Lauren faz em certos
momentos. Não é inteligente também considerar um cientista tão competente e
brilhante de forma a ser capaz de contemplar satisfatoriamente todas as
questões possíveis. Cientistas assim não existem! E Skinner, portanto, não é um
deles. Não há ódio, nem remorso, apenas fatos. Assim sendo, por que não aceitar
o fato de que ele, sim, foi limitado em suas ideias até certo ponto?
Provavelmente
é o que o já idoso professor Kagan estivesse querendo falar quando afirmou:
“suas descobertas [de Skinner] não conseguem explicar pensamento, linguagem,
raciocínio, metáfora ou ideias originais, nem outros fenômenos cognitivos. Nem
explicam culpa ou vergonha”. Talvez quisesse dizer simplesmente que a teoria de
Skinner é limitada, não dá conta isoladamente destes fenômenos e que o humano
envolve uma complexidade tão expressiva a qual não se explica em simples
teoremas matemáticos.
Várias
outras concepções da psicologia, como a psicanalítica, a fenomenológica e até
mesmo a social, somam opinião contra a essa provável simplificação do universo
humano - a qual considera nossas ações meramente como reflexo de
experiências “on-off”, de reforço ou punição. Não existem apenas dois ou quatro
caminhos disponíveis, mas toda uma cadeia inimaginável que constitue o 'ser'
humano, gerando uma intrincada teia de complexidade, e que aumenta ainda mais
quando interagem entre si, formando o seio social. Há de se precisar
compreender os significados que CADA INDIVÍDUO, singularmente, oferece e recebe
do mundo. Há de se considerar os aspectos subjetivos, e não tão facilmente enquadrá-los
em rótulos como “mentalismos”.
Por
que, assim como verificamos a expressão da resposta a um dado estímulo, também
notamos a existência não só da ação, mas da vontade, e é a partir dela, da
vontade, que somos e atuamos no espaço. Eis aqui um ponto em discordância com o
apresentando por Lauren: diferente do que a própria afirma, não é coerente
explicar a “insensatez humana” tão somente como fruto de um “comportamento
irregularmente recompensado”. O que falta a tudo isso? A autonomia, a qual ao passo
que a temos nos é extraída, ou negada. Óbvio que haveremos de concordar, ainda
que não unanimemente, que a autonomia referenciada não se concretiza na forma
de “livre-arbítrio”, noção esta profundamente atrelada ao equivocado dualismo
cartesiano, bem como a certas correntes religiosas. Mas, sim, como potência: de
decidir o que, onde e por que fazer. Quem sabe pensar desta forma até não teria
extirpado o medo que se tinha contra os regimes fascistas de seu tempo?
Provavelmente o desvio de um possível “furo epistêmico” em relação ao que
foi escrito por Lauren esteja no fato de ela ter trazido mais de perto a face
humana de um “cientista-humano”, o qual sempre olhamos tão secamente como se
fossem realmente meros códigos expressos numa folha de papel. Eis a salvação de
seu belo texto, poeticamente escrito e que traz, sim, luzes, caminhos, para
entender a figura ilustre de Burrhus Frederic Skinner ou, conhecidamente, Skinner.
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